quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sustentabilidade: Um ideal ou uma causa?

Existe uma tensão crescente no seio das sociedades contemporâneas: de um lado, desejamos consumir todo tipo de produto, de bem ou serviço que o mercado oferta e, de outro, desejamos usufruir cada vez mais de um ambiente saudável e seguro, sem poluição e sem degradação ecológica. Em outras palavras, queremos nosso conforto e bem-estar, mas não queremos os efeitos negativos que eles podem gerar, tais como os congestionamentos urbanos, lixo e doenças.


O problema da produção e do consumo realizados em bases não sustentáveis é simples de ser entendido: não podemos extrair mais recursos naturais do que a natureza é capaz de repor, quando se trata de recursos renováveis e não podemos extrair indefinidamente recursos finitos, não renováveis. Também não podemos descartar mais resíduos do que a natureza é capaz de assimilar. Além disso, apesar dos avanços tecnológicos, a extração crescente de recursos não renováveis (minérios, petróleo, por exemplo) para atender 6,8 bilhões de pessoas, é a crônica de um desastre anunciado. As montanhas de lixo que geramos nas chamadas sociedades dos descartáveis constituem também um cenário desolador que criamos e recriamos todos os dias.

Toda atividade econômica gera algum tipo de impacto ambiental. Mas tanto a produção quanto o consumo são indispensáveis para satisfazer as necessidades humanas. Tornaram-se problema muito recentemente na história humana quando as revoluções científicas e tecnológicas que se seguiram à Revolução Industrial aumentaram a capacidade dos seres humanos não só de extrair maiores quantidades de matérias primas e em áreas do globo antes impensadas, como nos tornaram capazes de produzir milhares de compostos químicos, sintéticos, perigosos à saúde humana e resistentes aos processos naturais de degradação.

O problema da produção “suja” ou poluidora vem sendo tratado em políticas públicas desde os anos 60 e a Conferência de Estocolmo, em 1972, realizou um admirável feito ao alertar os países sobre os efeitos nefastos da crescente poluição industrial e urbana e sobre a necessidade de desenvolver legislação, marcos regulatórios e agências de controle ambiental.

Consumismo. A questão do consumo, contudo, ficou negligenciada e só começou a ser tratada quando a literatura sociológica – que enfoca os diversos estilos de vida – mostrou uma tendência cultural que rapidamente se tornou global: o consumismo. Enquanto o consumo é definido como a satisfação das necessidades básicas (comer,vestir, morar, ter acesso à saúde, lazer e educação), o consumismo é uma distorção desse padrão. O último relatório do WorldWatch Institute, que desde os anos 80 publica dados sobre a crise ecológica global, define consumismo como “a orientação cultural que leva as pessoas a encontrar significado, satisfação e reconhecimento através daquilo que consomem” (“Estado do Mundo 2010”, WorldWatch Institute). Em outras palavras, além do consumo demandado por uma população cada vez maior, estamos nos defrontando com um padrão de consumo que está sendo globalizado e que se caracteriza por ser excessivo, pressionando ainda mais os recursos naturais da Terra e os serviços ambientais hoje prestados pelos diversos ecossistemas.

O primeiro grande alerta sobre a necessidade de se pensar o consumo em bases sustentáveis está expresso no Documento da Agenda 21 Global – espécie de roteiro para se alcançar a sustentabilidade – debatido e divulgado durante e após a Rio-92. No Documento, tanto a produção quanto o consumo mereceram capítulos específicos com detalhamento e recomendações para torná-los menos impactantes em termos sociais e ambientais.

Mas, enquanto medidas foram tomadas para tornar a produção mais limpa e durante toda a década surgiram inúmeras organizações para promover as tecnologias limpas e a ecoeficiência (menor consumo de energia, de água e de matérias primas no processo de produção), pouco se fez em relação ao consumo, além de se estruturar serviços de defesa do consumidor – o que ampliou direitos mas pouco estimulou os deveres.

Isso aconteceu especialmente nos chamados países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, sobretudo por se acreditar que em países como o nosso a demanda por consumo de bens e serviços era reprimida, e que, enfim, consumíamos pouco se comparados a países europeus e os Estados Unidos.

A ideia do “consumo desigual” (entre os países do Norte e do Sul) deixou de mobilizar os países pobres ou as economias emergentes, como bem mostraram os dois relatórios da ONU (1998, 2004)i que focaram o problema do consumo. Em ambos os relatórios fica evidente que o estilo de vida urbano, dominante na maior parte do globo e também na América Latina, repetia o padrão ou a expectativa do padrão de consumo praticado nos países do Norte e que, mesmo em países pobres ou emergentes, cada vez mais as pessoas eram levadas a consumir de maneira não sustentável.

Prosperidade. Recentes estudos mostram que mais do que pertinência a uma determinada classe social, os padrões de renda levam as pessoas a consumir de maneira muito parecida, sejam elas brasileiras, chinesas ou indianas. Antes da crise econômica mundial de 2009, o mundo conheceu uma década de prosperidade econômica, e a expansão do crédito, associada a políticas de inclusão dos pobres (um dos fortes objetivos do Milênioii – nas suas políticas de combate à pobreza) fez com que milhões de pessoas pudessem consumir bens e serviços de toda espécie.

O já citado Relatório Estado do Mundo afirma que, em 2008, foram comprados 68 milhões de veículos, 85 milhões de geladeiras, 297 milhões de computadores e 1,2 bilhões de celulares. Segundo o mesmo relatório, o consumo teve crescimento exponencial nos últimos 50 anos, aumentando em seis vezes seu volume. E isso não se deu somente porque a população mundial cresceu; os estudos mostram que os gastos individuais triplicaram no período.

Portanto, à medida que o consumo aumenta, extraímos mais combustíveis, mais minerais, derrubamos mais árvores, sobre-exploramos mais nossos rios e oceanos e estressamos mais os nossos solos com cultivos intensivos, além de artificializar mais e maiores áreas para produzir alimentos e edificar nossas cidades.

Em 2002, na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo, quando se fez um balanço da década, ficou patente que a questão do consumo não tinha evoluído na maioria dos países. Embora se possa identificar uma série de grupos militantes e organizações que promovem o consumo frugal ou combatem o consumismo, a maior parte dos governos não implementou políticas públicas robustas que pudessem enfrentar a problemática. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) juntamente com o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UNDESA) foram indicados como agências líderes para promover o Processo de Marrakech, a fim de mudar essa situação. Marrakech, cidade do Marrocos, sediou a reunião que lançou o processo em 2003.

O Processo de Marrakech visa dar aplicabilidade e expressão concreta ao conceito de Produção e Consumo Sustentáveis (PCS). Ele solicita e estimula que cada país membro das Nações Unidas e participante do programa, desenvolva seu plano de ação, o qual será compartilhado com os demais países, em nível regional e mundial, gerando subsídios para a construção do “Global Framework for Action on SCP” iii.

Diversas ações em âmbito nacional e internacional – e algumas de fato exitosas – têm sido realizadas para promover padrões de produção e consumo mais sustentáveis.Entretanto é preciso fazer mais e ainda mais rápido, uma vez que todos os relatórios mundiais apontam para cenários catastróficos com as evidências das mudanças climáticas e do stress ambiental acentuado da maioria dos ecossistemas terrestres.

O Brasil assumiu junto às Nações Unidas (2002) um importante acordo ao aderir ao Processo de Marrakech. Em 2008, a Portaria nº 44, de 13 de fevereiro instituiu o Comitê Gestor Nacional de Produção e Consumo Sustentáveis, articulando vários ministérios e parceiros do setor privado e da sociedade civil, com a finalidade de realizar amplo debate e identificar ações que pudessem levar o Brasil, de forma planejada e monitorada, a buscar padrões mais sustentáveis de consumo e produção nos próximos anos.

Um comentário:

  1. Prezado Samuel,

    Nós do dpto de Produção e Consumo Sustentáveis (DPCS) ficamos muito contentes qdo o tema é disseminado e mencionado na rede. O texto acima reproduz ipsis literis a introdução da Secretária de Articulação Institucional (SAIC) do Ministério do Meio Ambiente, Dra. Samyra Crespo ao documento submetido a consulta pública em setembro de 2010, o Plano de Ação de Produção e Consumo Sustentáveis (PPCS). A versão final será lançada agora, no dia 23/11 em reunião do CONAMA, em Brasília e o texto estará disponível no portal do PPCS, q tb irá ao ar nesse dia. Lembro apenas q não é demérito nenhum citar a fonte, pelo contrário, confere credibilidade ao seu post, além, é claro de ser uma questão de honestidade intelectual.
    Laura Valente de Macedo, diretora de Produção e Consumo Sustentáveis, SAIC/MMA.

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